Devo começar por uma declaração de interesses. Estou, estive e muito provavelmente estarei no futuro ligado a associações de pessoas com diabetes. Este artigo de opinião é uma visão pessoal consolidada pela experiência de trabalhar há mais de 20 anos como voluntário em associações de doentes.
Portugal tem uma vasta tradição nesta área. Podemos encontrar bons exemplos em diversos sectores da saúde, tal como Alzheimer Portugal, a Raríssimas ou a ANDAI. Contudo, gostaria de realçar a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP), a associação de pessoas com diabetes mais antiga do Mundo, fundada em 1926 pelo Dr Ernesto Roma com o nome de Associação Protectora dos Diabéticos Pobres por ter sido criada para ajudar as pessoas com diabetes a terem acesso à insulina, sem a qual teriam morrido passados poucos meses após o seu diagnóstico. Na altura a APDP comprava insulina que disponibilizava gratuitamente às pessoas que não tinham poder económico para a adquirir. Outros dos pilares da APDP, desde a sua criação e onde foi também pioneira, é a educação terapêutica. Desde o inicio que os profissionais de saúde da APDP tiveram a percepção clara que a diabetes, tal como qualquer outra doença crónica, só é possível tratar convenientemente se os cidadãos portadores da doença tiverem acesso a educação para a saúde nessa área.
Nesta pequena introdução encontramos dois aspectos cruciais do papel das associações de doentes na sociedade. Por um lado, a protecção das pessoas através do fornecimento de tratamentos e serviços que o Estado não consegue oferecer, tendo por isso um papel complementar e muitas vezes único. Por outro lado, a educação para a saúde e a promoção da literacia em saúde, muitas vezes efectuada pelos pares em iniciativas e programas sólidos e com resultados comprovadamente muito positivos.
Acredito que as associações de doentes, designadas daqui em frente de associações, têm um papel fundamental a desempenhar a todos os níveis da área da saúde. Este papel deve ser totalmente abrangente, desde a planificação das políticas de saúde até à sua implementação. Todavia, este papel deve ser interventivo e aceite pelas estruturas de saúde, não basta chamar as associações para participar em reuniões e grupos de trabalho só porque a legislação o obriga ou porque a fotografia de grupo fica melhor com as associações! É preciso dar voz, responsabilidades e respeitar as opiniões!
As associações devem criar a capacidade de terem este tipo de intervenção, só assim será possível terem um papel activo e contribuírem para as discussões e tomadas de posições.
Qualquer que seja a área de intervenção das associações existem sempre um conjunto de responsabilidades associadas aos direitos legais, éticos ou societais. É papel das associações defender os interesses das pessoas que representam, mas também promover o cumprimento dos deveres que podem ser de natureza clínica ou comportamental.
Uma das expressões mais usadas na área da saúde é porventura “sistema de saúde centrado no doente/cidadão”. Estará o cidadão/doente no centro do sistema? Não! Ele está disseminado e espartilhado um pouco por todo o lado, muitas vezes sem voz activa e determinante. A mudança implica o empoderamento (empowerment) das pessoas, capacitar as pessoas para as tomadas de decisão, processo onde as associações têm um papel relevante a desempenhar. Mas! Estarão as estruturas de saúde preparadas para dar parte do poder aos cidadãos/doentes? Estarão os técnicos de saúde preparados para essa mudança de paradigma? Estarão as escolas de Medicina e Enfermagem a formar técnicos de saúde com capacidade de adoptarem esta visão? Não há uma resposta única a estas perguntas. Tudo depende das situações especificas e de quem coordena ou dirige as estruturas e serviços e da perspectiva pessoal de cada técnico de saúde.
Uma procura na internet sobre este tema facilmente devolve milhentos sítios e documentos sobre este assunto, quase todos coincidentes nas suas conclusões. É caso para dizer que muito se escreveu mas, embora hajam excelentes exemplos, ainda pouco foi feito. Estamos num tempo de agir e de tomar medidas decisivas para colocar o cidadão/doente no centro do sistema de saúde, onde as associações possam contribuir e ter um papel determinante. Os representantes dos doentes têm que ser as suas associações! Por exemplo, a representação das pessoas com diabetes só pode ficar a cargo de uma pessoa com diabetes, caso contrário não estaremos a contribuir para mudar o paradigma e o sistema nunca irá evoluir.
João Valente Nabais
Professor Auxiliar da Universidade de Évora