“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”
Charles Darwin
A questão da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde tem sido amplamente discutida em Portugal. O debate tem-se centrado maioritariamente em como suportar os custos relacionados com os cuidados que se prestam a uma população em envelhecimento, com necessidades crescentes, num enquadramento de também crescente inovação terapêutica. Contudo, concentrar a discussão em como pagar os cuidados tal como hoje se disponibilizam ao cidadão, não é realista. O país precisa de um modelo de cuidados que reduza os custos, mas aumente a qualidade e a acessibilidade – e para isso terá de inovar na forma como organiza o seu sistema de prestação de cuidados de saúde.
Por diversas vezes tem sido apontado que o sistema que existe hoje se centra essencialmente no tratamento da doença, e não na promoção da saúde. O próprio modelo existente de remuneração dos profissionais e das organizações que operam no sector raramente apresenta incentivos financeiros para manter os cidadãos saudáveis, e os cuidados centrados no doente, por muitos considerados como a nova panaceia na saúde, têm-se revelado onerosos e ineficientes, quando não acompanhados por outras estratégias de índole populacional.
Este facto acontece porque de uma forma geral os sistemas de saúde foram construídos há décadas atrás, numa época em que as doenças agudas predominavam e de certa forma dirigiam os custos. Hoje, com um padrão de patologias completamente distinto daquele que existia quando estes modelos foram criados, procuramos adaptar os nossos serviços e atividades a este modelo, em vez de reconstruir o modelo para melhor servir estas novas necessidades.
Utilizando modelos de gestão da inovação anteriormente aplicados a outras indústrias, Clayton Christensen, professor da Harvard Business School, defende no seu livro “The Innovator’s prescription” que os conceitos por detrás da “inovação disruptiva” podem ajudar a reinventar os cuidados de saúde.
O termo “inovação disruptiva”, que introduziu em 2003, refere-se a uma nova oferta inesperada que ou através do preço ou de melhorias na qualidade revoluciona um determinado mercado. Uma inovação que é “disruptiva” (ou em Português correto, perturbadora), abre a possibilidade de acesso a um determinado produto ou serviço por parte de uma nova população de consumidores e/ou profissionais.
Um dos exemplos apresentados reflete no facto de que no modelo existente, as doenças de rotina com tratamentos já bem estabelecidos recebem muitas vezes o mesmo cuidado intensivo e especializado que os casos mais complicados exigem. A proposta é de que o sistema passe a correlacionar o nível de complexidade do problema médico com o nível de perícia do profissional de saúde. E sugere que em vez dos médicos de clínica geral se preocuparem com a invasão do seu território em áreas que exigem pouco esforço de diagnóstico, estes deviam utilizar os avanços nas tecnologias de diagnóstico e de terapêutica para elevar o seu nível de intervenção nos casos que hoje referenciam para os especialistas ou cuidados hospitalares mais dispendiosos. Este tipo de alteração permite, portanto, uma melhoria da eficiência dos sistemas de saúde através da utilização plena das potencialidades técnicas e científicas dos profissionais e tecnologias disponíveis, promovendo a sua sustentabilidade financeira.
Contudo, para que a inovação (quer tecnológica, quer organizacional) seja efetivamente integrada de forma célere e sustentável nas unidades clínicas que constituem o sistema de saúde, há que promover processos de gestão da mudança que o facilitem.
Num contexto em que predomina a incerteza tanto ao nível da oferta como ao nível da procura dos cuidados de saúde surge, em resposta, a necessidade de estabelecer maior flexibilidade por parte das organizações, de forma a que possam acomodar as mudanças necessárias. Neste sentido, a flexibilidade organizacional refere-se à capacidade de resposta a estas circunstâncias de mudança.
A flexibilidade organizacional pode assim proporcionar um enquadramento teórico para a mudança estratégica da prática profissional e dos processos de gestão das unidades clínicas de uma forma holística, facilitando as alterações necessárias.
Este conceito ganha ainda maior relevância quando se considera que tanto as necessidades em saúde como a inovação neste domínio estarão em constante transformação, e que é necessário capacitar as unidades clínicas para que não só adotem as alterações à prática necessárias hoje, mas mais importante ainda, que estejam permanentemente aptas a incorporar novos conhecimentos, inovação, e formas de responder eficazmente a necessidades eventualmente imprevisíveis.
O conceito de flexibilidade organizacional reporta à capacidade de adaptação e mudança em resposta a estímulos tanto internos como externos à organização. A diferença entre este conceito e o da mudança organizacional é a de que este último se refere a mudanças efetivas que ocorrem numa organização, enquanto que a flexibilidade organizacional visa aumentar a capacidade dessa mesma organização para permitir que as mudanças ocorram de forma mais fácil e célere, de forma contínua.
Podemos considerar que a constituição das Unidades de Saúde Familiar (USF) segue o princípio da flexibilidade organizacional, uma vez que se baseia na auto- organização das equipas, com o objetivo de dar resposta a uma série de objetivos contratualizados. Contudo, apesar de possuírem autonomia na organização dos processos de trabalho, não possuem autonomia administrativa ou financeira (por exemplo, os processos de contratação são geridos centralmente pelas Administrações Regionais de Saúde), pelo que a flexibilidade a este nível se encontra comprometida.
De forma a fomentar a eficiência do sistema, seria importante estender este conceito a outras unidades clínicas, promovendo a sua responsabilização através de instrumentos específicos desenvolvidos para o efeito.
Deste modo, criar-se-iam condições para uma gestão descentralizada com enfoque no desempenho e nos resultados, cuja concretização pudesse ser monitorizada de forma permanente e transparente, com nivelamento com as melhores práticas.
Para a disseminação da mudança, seria importante determinar o tipo de flexibilidade organizacional existente hoje em cada uma das tipologias de unidades clínicas, e implementar estratégias que permitissem a evolução para um quadro de maior autonomia e responsabilização dos diferentes stekeholders, os quais terão inevitavelmente de fazer parte do processo de redireccionamento do sistema de saúde, de forma a responder às novas necessidades em saúde.
A promoção da flexibilidade organizacional pode ser um instrumento determinante para a sustentabilidade do sistema de saúde, uma vez que permite agilizar as respostas e promover a adaptação dos processos, sem comprometer a sua missão fundamental.