A sociedade portuguesa e o combate ao tabagismo

A sociedade portuguesa e o combate ao tabagismo

Atualmente todas as pessoas sabem que o tabaco faz mal, existem anúncios e avisos sobre os seus malefícios em todas as plataformas multimédia possíveis e imaginárias e, na maioria dos países, restrições sobre o fumo em público e maiores impostos sobre os maços de tabaco. Há cem anos atrás, fumar era sexy e uma questão de afirmação e demoraram vários anos até que se percebesse o perigo até então desconhecido. Apesar do esforço por parte da poderosa indústria tabaqueira em evitar a histeria mundial sobre estas descobertas, com sucesso parcial, diga-se de passagem, hoje existe evidência científica que permite associar o consumo de tabaco a variadas doenças, indo muito além da patologia respiratória.

Se o ser humano fosse tão racional conforme a sua capacidade cognitiva poderia fazer prever, há muito este hábito, perdão, esta doença já faria apenas parte das lições de História da Medicina, que muitos de nós tivemos na faculdade. Infelizmente, a verdade é que atualmente a nível mundial o consumo de tabaco continua bastante elevado, sem indícios evidentes de uma diminuição cabal.

Como médico pneumologista este tema é-me bastante pertinente, mas penso que também o é a todos os profissionais de saúde interessados pelo bem-estar dos doentes e da sociedade.

Sabemos que o tabaco é o principal fator de risco para doenças respiratórias como a DPOC, cancro do pulmão ou vários tipos de doenças do interstício pulmonar. Na minha prática diária a maioria dos doentes que recorrem à minha consulta apresentam hábitos atuais ou anteriores de tabagismo, e esse é um ponto importante na abordagem a cada doente.

As guidelines atuais referem que não devemos culpar o doente por esse facto, uma vez que pode minar definitivamente a relação médico-doente e levar a um afastamento dessa pessoa ao seu tratamento. Aconselham-nos a não forçar… De qualquer modo, existem vários estudos que revelam que mesmo uma abordagem rápida (cerca de 3 minutos) pode ser suficiente para melhorar o sucesso da cessação tabágica. Mas e o que acontece na vida real?

A maioria dos meus doentes fumadores diz que quer parar, mas poucos conseguem definir uma data para que eu os consiga ajudar. É verdade que o tratamento farmacológico ainda é um pouco dispendioso, mas a razão económica não pode ser a única explicação.

Recentemente a principal autoridade governamental de saúde em Portugal realizou um ambicioso anúncio publicitário nas televisões e redes sociais, sobre o perigo do tabagismo e para o efeito utilizou a relação mãe-filha. Nesse anúncio a mãe era uma fumadora, que segundo o anúncio estaria muito doente (provavelmente cancro do pulmão). O objetivo do vídeo era demonstrar como o tabaco pode afetar a vida de uma família, limitar a vida de uma pessoa, conduzindo a privações e a sofrimento.

Este anúncio teve um impacto muito grande, como se devem recordar, no entanto o motivo não foi o esperado. Em vez de se falar do principal problema, ou seja, do efeito prejudicial do tabagismo, o seu papel cada vez mais preponderante no sexo feminino e de como devemos impedir que os pais fumem ao pé dos seus filhos, a sociedade portuguesa decidiu debater porque só se retratava o sexo feminino a fumar tabaco ou porque a atriz principal chamava de “princesa” à “filha”. Perdeu-se uma oportunidade de usar a atenção mediática para melhorar o combate anti-tabaco, refletindo a pouca relevância dada pelos meios de comunicação e da sociedade em geral para este tema.

Outra situação que revela alguma desconsideração pela guerra ao tabaco acontece frequentemente no maior grupo das redes sociais no nosso país sobre a DPOC. As publicações menos vistas são as relativas aos perigos do tabaco ou os benefícios da cessação tabágica. São igualmente frequentes vários comentários de pessoas/doentes que se mostram indignados por os responsáveis desse grupo colocarem regularmente conteúdos que fomentam a cessação tabágica. Ou seja, também a nível individual existe uma grande relutância em muitos fumadores em aderir a movimentos que fomentem a cessação tabágica.

Se as últimas duas décadas foram dominadas pela patologia cardíaca e metabólica, os dados que apontam para que o cancro do pulmão e a DPOC atinjam uma preponderância infeliz no ranking das mortes globais até 2020. Sabemos que o cigarro é o seu principal fator de risco, pelo que os próximos anos deveriam ser marcados por uma maior relevância ao combate ao tabagismo.

É hora de todos percebermos que o tabaco é o principal problema para a saúde humana dos tempos modernos. Não podemos continuar a permitir que esta epidemia se alastre e continue a afetar a maioria dos habitantes deste planeta.

Na vida real, travam-se várias batalhas, muitas das quais com derrotas, mas perder uma batalha não é perder a guerra. E esta guerra vale a pena lutar.

João Cravo
Pneumologista e Coordenador do www.dpoc.pt

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