A Saúde – “Um Senhor muito velho com umas asas enormes”

A Saúde – “Um Senhor muito velho com umas asas enormes”

“Prevenir o Tratamento”
A importância estratégica da prevenção em saúde não é questionável por ninguém, embora exista consenso de que, na maioria dos casos, o retorno obtido com a prevenção só tem efeitos a longo prazo. Este facto dificulta a aceitação pela sociedade de sacrifícios para alocar verbas (retiradas de outras rubricas) à prevenção, além de ser pouco compaginável com a duração dos ciclos políticos. Por outro lado “o tratamento” do ponto de vista do “negócio” é bastante mais lucrativo pelo que as políticas de prevenção tendem a ser de difícil implementação.
Independentemente destas considerações o investimento em tratamento dificilmente decrecerá não só pelo acelerado envelhecimento da população, mas também pela sofisticação e inovação dos meios de diagnostico e tratamento. Finalmente a diminuição da iliteracia torna as nossas sociedades muito mais exigentes, tornando muito difícil a aceitação de reduções do financiamento na área do tratamento.

Apesar do exposto impõe-se desenvolver medidas no âmbito da prevenção, devendo estas pautar-se por vários determinantes, nomeadamente o “realismo”, “oportunidade” e facilidade de implementação dessas medidas, a definição de métricas avaliadores e a análise de custo beneficio dessas mesmas medidas.
Como a definição de uma política de prevenção na área da saúde e o desenho dos respetivos programas de ação implica conhecer com detalhe o perfil de saúde da população e os seus principais determinantes impõe-se que através dos organismos próprios seja determinado o perfil local, regional e nacional das populações.

Como “cuidar”
“Achieving the best outcomes at the lowest cost”
Os gastos com a saúde têm aumentado a um ritmo superior ao crescimento económico na maioria dos países da União Europeia, assumindo uma importância crescente face ao Produto Interno Bruto (PIB). Os sistemas de saúde como o Português, constituem um dos avanços civilizacionais mais significativos e valorizados pela população. Porém, a evolução dos custos tem conduzido a um debate sobre a sustentabilidade do sistema tal como ele hoje existe.
O desenvolvimento tecnológico e científico da medicina tem sido um determinante essencial para o aumento da esperança de vida, mas também para a transformação de problemas agudos em problemas crónicos. Esta alteração em conjunto com o aumento da esperança de vida, origina um novo padrão epidemiológico: a cronicidade. Para além disto verifica-se o aumento do número de doentes com patologia múltipla.
De acordo com a Society of General Internal Medicine, 20% dos beneficiários do Medicare representam cerca de 66% do total dos custos deste sistema, estimando-se que os custos totais anuais de um doente crónico seja cerca de 5 vezes superior ao custo com pessoas saudáveis.
Estamos assim em presença de sistema de elevada complexidade, difícil sustentabilidade e modelos de governança variada em geral não orientados para resultados (“outcomes”).
Baseado numa estrutura dividida por profissionais e por especialidades, o ainda modelo de hospital assenta numa definição do início do século XX. A evolução da especialização médica tem motivado a transformação das unidades organizativas do hospital em áreas cada vez mais fragmentadas, evidenciando uma contradição com o padrão epidemiológico atual dominado pela patologia múltipla e pela cronicidade. Por outro lado a pressão sobre a melhoria da eficiência do sistema de saúde, tem favorecido a ambulatorização dos cuidados de saúde.
Estas circunstâncias recomendam uma profunda reengenharia do modelo organizativo bem como do processo de governação.
Nas últimas duas décadas assistiu-se a diversas experiencias de reengenharia do sistema com o objetivo de ultrapassar alguns dos problemas expostos.

A primeira tendência foi contrapor cuidados hospitalares com cuidados de saúde primários. Trata-se obviamente de uma falsa questão. Ambos têm a sua área de intervenção, não se subsistindo um ao outro. No entanto é atrativo, mesmo imperativo a integração dos diversos tipos de cuidados. A criação das ULS’s, ao promover uma integração do modelo de governação não só ignorou a existência de culturas diferentes como se revelou de eficiência reduzida Quando se analisa o relatório da IASIST de novembro de 2015 (relativo ao desempenho dos Hospitais do SNS em 2008, 2013 e 2014) observa-se que a eficiência dos Hospitais que integram ULS é inferior aos restantes.
Assim, o desenvolvimento de modelos de integração eficientes, terá que passar pelo desenvolvimento de soluções criativas, que respeitem as diferentes culturas, e, provavelmente, integrando a informação e o conhecimento. A interoperabilidade dos sistemas de informação constituirá um passo pequeno mas determinante neste objetivo.

Continuar a “cuidar”
Nas unidades de cuidados continuados Integrados (UCCI) são prestados cuidados que previnem e retardam o agravamento da situação de dependência, favorecendo o conforto e qualidade de vida. Este nível intermédio de cuidados contribui para a gestão das altas hospitalares permitindo que as camas dos hospitais sejam atribuídas a doentes agudos.
As UCCI têm por objetivo a prestação de cuidados de saúde e de apoio social de forma continuada e integrada a pessoas que, independentemente da idade, se encontrem em situação de dependência, permitindo a promoção da reabilitação, estabilização clinica e autonomia dos doentes.

Um Sistema de Saúde para o seculo XXI – Precisa-se
Um sistema de saúde universal, acessível a todo o cidadão, eficaz e eficiente, orientado para resultados e tendo o doente no seu epicentro é um dos desafios das sociedades contemporâneas. Por isso as pessoas, por não terem as condições económicas ou financeiras necessárias, não devem poder morrer de condições que podem ser prevenidas ou tratadas; mas o tratamento não pode conduzir o estado à bancarrota financeira.
A complexidade do sistema, a sua imprevisibilidade, a dimensão ética associada, bem como os fatores emocionais e culturais envolvidos desafiam qualquer algoritmo conhecido na construção de um modelo preditivo eficaz. Na ausência de uma teoria do “todo” apenas se podem apontar vetores que, acreditamos, constituem variáveis importantes na complexa equação.

Assim , e com ordem arbitraria apontam-se alguns desses vetores cujo determinante nem sempre é possível determinar.
1) A decisão médica deve ser baseada na evidência científica existente no momento.
2) A avaliação e correção das práticas de “overdiagnosis”, “overtreatmet” e de “overacting”.
(guidelines – não reinventar a roda)
3) A assunção da inovação no sistema, e a sua separação clara da “novidade”
4) A liderança, o que implica a definição dos “skills” e dos processos de seleção.
5) A política de qualidade enquanto abordagem sistémica e sistemática das atividades do e no sistema
6) A inadequação do modelo organizacional e de governação aos desafios que o sistema enfrenta no dia-a-dia
7) A mutabilidade das políticas de acordo com o ciclo da governação.
8) O divórcio dos agentes do processo produtivo com os “clientes”.
9) A “overdose” de sistemas de informação, responsáveis pela criação da (nossa) torre de Babel.
10) A necessidade de criar sistemas de informação baseados numa semântica comum e que contribuam para a interoperabilidade do sistema.
11) A imperiosidade de uma política de gestão da informação que crie e permita gerir o conhecimento (big data; analytics, medicina de precisão)
12) Todo o conjunto de outros vetores, que no seu conjunto, e uma vez integrados, permitiram construir um sistema de saúde para este século.

“The biggest problem with health care isn’t with insurance or politics. It’s that we’re measuring the wrong things the wrong way” (Delivering World-Class Health Care, Affordably – HBR Nov 2013)

Luís Cunha Ribeiro

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