A inovação terapêutica permite dar aos doentes que dela beneficiam melhor qualidade de vida e, em muitos casos, maior quantidade de vida. A inovação em Medicina tem sido o meio que permitiu diminuir as taxas de mortalidade neo-natal, infantil e por doenças, aumentar a esperança de vida e incrementar os anos de vida activa e útil dos cidadãos.
Mas a inovação terapêutica tem um custo acrescido para a sociedade. Se até há alguns anos esse aumento era relativamente pequeno e comportável, actualmente tem-se verificado que os incrementos no custo da inovação têm sido logarítmicos e verdadeiramente insustentáveis para um sistema nacional de saúde ou para uma sociedade. A indústria farmacêutica defende-se, entre outras justificações, sublinhando os custos inerentes aos ensaios clínicos, cada vez maiores por estes serem cada vez mais exigentes, ao investimento arriscado realizado em investigação e desenvolvimento tantas vezes incerto, ao número cada vez menor de doentes abrangidos pelos novos fármacos desenvolvidos (através da terapia personalizada, desenvolvem-se medicamentos para um número cada vez mais restrito de doentes) e/ou ao curto espaço de tempo até à expiração das patentes. E, se tudo isto é verdade, não podemos deixar de notar os lucros enormes e crescentes dessa mesma indústria, que se tornam um contrassenso face às justificações dadas.
A sociedade, por outro lado, não tem conseguido fazer crescer o seu produto interno bruto de uma forma significativa e tem tentado manter a percentagem da despesa alocada à saúde relativamente estabilizada, o que condiciona um orçamento para as despesas em saúde limitado e nada ajustado ao custo da inovação. Não que se defenda que o orçamento alocado à saúde devesse ser ajustado para acomodar a inovação, mas tem que se reconhecer que ele tem sido deficitário para incorporar a despesa em saúde derivada do aumento da esperança de vida da população, de uma maior procura de cuidados de saúde e, também, da existência de tratamentos inovadores.
É no equilíbrio que se consiga estabelecer entre estes dois lados da equação, que vai residir a solução de podermos fornecer à sociedade inovação em saúde de uma forma que seja sustentável.
No que se refere à inovação em si mesma, claramente que temos que estar atentos ao surgimento da pseudo-inovação mas também não podemos radicalizar de que tudo o que seja, por exemplo, alterar uma molécula para facilitar a sua administração ou o aparecimento de um medicamento que aumente a sobrevivência global mediana em dois meses numa área de patologia em que a sobrevivência é de apenas 6 meses, seja um logro. Por outro lado, se o aparecimento da “medicina personalizada” permitiu desenvolver medicamentos para um número cada vez mais pequenos de doentes, acabando com os “blockbusters”, o que permitia entender o preço crescente desses medicamentos, tem-se verificado o aparecimento de fármacos para um largo número de doentes ou mesmo para o tratamento transversal de doentes em várias patologias o que faz pressupor que o seu preço seja ajustado a tais indicações e ao número previsto de doentes a tratar.
A existência de “tectos de despesa” com os fármacos inovadores e a partilha de risco, em que o serviço nacional de saúde só pagará o medicamento que demonstrar benefício clínico, permitirá controlar a despesa com estes novos medicamentos. A negociação entre a tutela e a indústria farmacêutica sobre os preços a praticar por
esta terá que ter em consideração o número provável de doentes a tratar, a mais- valia clínica correlacionada com a inovação e o estado económico do país, bem como a suprarreferida partilha de risco e o limite de despesa considerado razoável pela sociedade com a nova terapêutica em questão.
O registo dos doentes que estejam a ser tratados com terapia inovadora numa base de dados nacional, que permita seguir “on real time” a evolução da situação clínica e o resultado do tratamento, poderá ajudar os médicos e os decisores políticos na avaliação da inovação em doentes do quotidiano e a avaliar da justeza das indicações clínicas usadas.
Por último, o desenvolvimento de Normas de Orientação Clínica para o tratamento de doentes com a inovação terapêutica e de auditorias às suas aplicações, permitiria aplicar o tratamento correcto ao doente indicado, fornecer a inovação a quem dela realmente necessita e durante o tempo necessário e suficiente.
Não tenhamos qualquer dúvida sobre a terapêutica inovadora – ela foi e é a causa de aumento da quantidade de vida e da melhoria na qualidade de vida dos nossos doentes e cidadãos. A sociedade tem que encontrar meios para tornar a inovação disponível aos doentes que dela possam beneficiar a um custo que seja justo para a indústria farmacêutica e suportável para a sociedade.
António Araújo
Director do Serviço de Oncologia Médica, Centro Hospitalar do Porto
Professor Auxiliar, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto