Não é possível falar-se de estrutura organizacional e de modelos de gestão de hospitais, sem abordar a natureza e as características do sistema de saúde em que os hospitais se inserem.
Um sistema como o português em que o Estado se comporta como um gestor permanente do Serviço Nacional de Saúde, exercendo (quase) directamente funções técnicas operacionais, é um sistema tão centralizador que deixa pouco espaço para modelos de gestão flexíveis adequados às características empresariais intrínsecas ao tipo de organizações que são os hospitais.
Sem uma definição clara e transparente do papel do Estado separando de forma real e nítida a função financiamento da função prestação, não haverá nem autonomia de hospitais, nem responsabilidades dos seus órgãos, dos valores essenciais e pressupostos básicos ao desenvolvimento de modelos de gestão performantes, geradores de eficiência e de qualidade.
Por esta razão considero a sobreposição de papéis do Estado como a principal causa das disfuncionalidades e ineficiências que se verificam nos hospitais.
O Ministério de Saúde deve ser um órgão político de condução da política nacional de saúde e de definição de estratégicas, assim como de garantia de utilização sustentável de recursos e de avaliação constante dos resultados e deve ter uma intervenção clara, forte e indelegável na regulação.
Ao invés o Ministério da Saúde tem tido uma vocação operacional assoberbado com questões de gestão “corrente” aos quais deveriam ser da competência dos hospitais.
Se o papel principal do Estado for, como considero que deve ser, o de garante acesso, o de regulador forte e de contratualizado competente, as Unidades prestadoras, designadamente os hospitais terão de ser necessariamente eficientes e competitivas e adaptar a sua estrutura organizacional e o modelo de gestão que melhor respondam aos desafios a que num sistema transparente como este, os hospitais teriam de estar submetidos.
O que me parece desajustado é persistir uma forma de governo do sistema – monolítico, uniforme, centralizador e desresponzabilizante e esperar que o desempenho seja bom. E numa época de baixo crescimento económico e necessidades crescentes, é ainda mais premente obter o máximo de valor dos recursos disponibilizados.
Nesta área tem falta do, em meu entender, uma visão estratégica despreconceituada relativamente à utilização do potencial de recursos existentes-públicos e privados e à forma como estruturar uma oferta coerente tendo exclusivamente em conta o que é melhor para os doentes e para os contribuintes.
A consolidação da rede dos cuidados hospitalares pressupõe definição de um perfil de cada hospital e o estabelecimento de uma carteira de serviços; a racionalização é imperiosa e tem de acontecer em resultado de: i) desenvolvimento de medicina geral e familiar com expansão das USF,s; ii) melhoria das redes de cuidados continuados e cuidados domiciliários; iii) constituição de uma plataforma de dados de saúde para integração de cuidados.
Faz parte integrante de um processo estratégico de racionalização a sustentabilidade o aprofundamento de modelos de contratualização quer com o sector público quer com o sector privado. De facto o Estado ainda que protagonizando a prestação nos hospitais universitários e num número adequado de outras Unidades deve, por um lado, articular a oferta através de formas de colaboração institucionalizada entre instituições públicas e privadas e por outro lado concessionar a gestão sempre que o interesse público o justifique.
Sem prejuízo de uma avaliação independente e caso a caso, há já hoje evidencia de que as parcerias público-privadas são uma solução eficiente e com qualidade, assegurando value for Money para o Estado, o qual tem actualmente as capacidades e os instrumentos para um escrutínio detalhado de todas as condições contratuais com as entidades gestoras.
O processo de benchmark, existindo diversidade de formas degestão é uma ferramenta muito potente indutora da melhoria de performance no conjunto da rede. Há nesta coexistência de hospitais com gestão pública e hospitais com gestão privada uma potencial de “fertilização cruzada” de módulos organizacionais e de métodos e procedimentos de gestão que impulsionaram a evolução do desempenho.
Na essência, a estrutura organizacional de um hospital em quanto processo de agrupar várias actividades em unidades coerentes, ligando-as através de linhas de autoridade, coordenação e controle, não é muito distinta em hospitais públicos sob gestão pública, hospitais públicos sob gestão privada e hospitais privados. O que difere é o enquadramento legal que limita a autonomia, que condiciona por vezes —– boas decisões de gestão, também desresponzabiliza organizações e gestores, em suma a diferença esta sempre a gestão publica de hospitais está inserida numa ecologia regulatória inadequada à natureza empresarial dos hospitais, enquanto a gestão privada é dotada de maior flexibilidade, está submetida a risco e é fortemente responsabilizante com estabelecimento efectivo de consequências.
Gestão pública, gestão privada de hospitais não devem ser do meu ponto de vista realizadas disjuntivas e muito menos objecto de estéril enviesado debate pretensamente ideológico; ideológico é sim a discussão e a opção por garantias no acesso e no tratamento, pela garantia equidade, pela qualidade e segurança.
Não é a detenção ou a gestão dos meios de produção que garante por si estes direitos aos cidadãos, mas sim o modelo de financiamento que a sociedade escolher.
José Carlos Lopes Martins