A regulação independente, enquadrada por disposições legais está naturalmente sujeita a pressões da sociedade, da opinião pública, de grupos de interesse ou de outras instituições. Estas pressões podem ser aceitáveis, desde que manifestadas de forma enquadrada com códigos de ética e pela legislação aplicável.
As democracias liberais adotam a economia de mercado, reconhecidamente a mais eficiente, que se apoia na concorrência. A regulação existe para fazer face a falhas de mercado na área económica e do Estado, traduzidas em “politização” das mesmas.
A regulação independente em Portugal tem uma história recente, em larga medida decorrente da implementação de diversas entidades reguladoras setoriais e sua integração no âmbito da coordenação regulatória da União Europeia.
O Banco de Portugal criado no século XIX, é um caso particular, de entre outras razões por estar integrado no guarda chuva das instituições europeias, nomeadamente por altura da adesão ao Euro no Sistema Europeu de Bancos Centrais, sob a supervisão do Banco Central Europeu e a partir de 2014 no Mecanismo Único de Supervisão. Tem ainda estatuto de especial independência face ao Governo e Assembleia da República, traduzido em diversas prerrogativas, por exemplo a não sujeição à fiscalização pelo Tribunal de Contas.
No geral, um regulador…” deve ser uma instituição com objetivos claros definidos na lei, com autonomia para poder executar a sua missão, e que deve reger-se por critérios estritamente técnicos, independentemente dos ciclos eleitorais. A sua independência perante o poder político está normalmente assegurada por nomeação dos seus dirigentes por um período fixo e com limite de cargo, e com direito de inamovibilidade. Em contrapartida, deve estar sujeito ao escrutínio público, nomeadamente do Parlamento e Tribunais”.*
Apesar da falta de tradição, temos no essencial sido capazes de implementar formatos regulatórios independentes do poder político e de interesses organizados.
As nossa entidades de regulação orientam as suas missões para a economia no seu global, no caso da autoridade da concorrência e para diversas áreas setoriais, serviços energéticos, água e resíduos, comunicações, saúde, aviação civil, só para citar alguns exemplos , assegurando que de uma forma geral, os objetos da regulação, concorrência , correção de distorções e assimetrias de mercado e melhoria de qualidade na produção de bens e serviços ,na proteção do interesse público, são na medida do possível assegurados.
Porém, os conceitos e modelos de regulação não tem a mesma leitura por parte de diferentes áreas da sociedade, com a sua interpretação variando também em função de aspetos culturais, de ideologia política ao nível de diferentes grupos profissionais e até em termos geográficos.**
As atividades regulatórias enquadradas por mandato do Estado português sob o guarda chuva da União Europeia como visto, não podem ser processadas em ilha, num circuito fechado imposto ou partilhado por reguladores aos regulados, mas ao inverso como um processo dinâmico, integrado, aberto e participado; numa lógica de participação real e efetiva, não apenas dos regulados e destinatários da regulação, empresas , bancos, seguros, comunicação social, profissionais dos setores público, privado e social, de entre outros, mas, pelo contrário, com participação ativa da cidadania no global, numa abordagem mais ampla, onde as complexas relações societárias são convenientemente e de forma o mais independente e transparente possível tidas em conta . Os clientes, considerados especialistas por experiência, fornecem informações específicas e legitimidade ao trabalho regulatório. ***
O impacto das atividades regulatórias deve neste conceito ser orientado para resultados identificáveis, mensuráveis e tangíveis por parte dos cidadãos com base no desempenho dos destinatários da regulação, através de standards selecionados por recolha prévia de informação, promovendo boas práticas e qualidade, levando a mudanças de comportamento e de processos de todos os destinatários da regulação e da sociedade em geral.****
Criar valor social na regulação, implica seleção e nomeação de responsáveis idóneos, qualificados e credíveis, com curriculum adequado, e uma atuação virada para abordagens regulatórias flexíveis e evolutivas, responsáveis e com capacidade para lidar de forma adequada com lobbies, com os media, instituições governamentais, empresas, regulados e a sociedade no global. Só assim a regulação fará sentido para os cidadãos, será compreendida, aceite, e promovida por todos os destinatários da mesma, empresas, organizações, na superior defesa do interesse público geral.
A regulação independente, enquadrada por disposições legais está sujeita naturalmente a pressões da sociedade, da opinião pública, de grupos de interesse, ou de outras instituições. Estas pressões podem ser aceitáveis desde que manifestadas de forma enquadrada com códigos de ética e enquadradas pela legislação aplicável.
As autoridades reguladoras devem revelar capacidade de lidar com pressões mantendo o distanciamento adequado, que assegura a sua autonomia e independência possível a cada instante, pois não existem pessoas, instituições, ou organizações que sejam totalmente independentes…
Concluindo, a independência e eficiência regulatória são um processo em permanente aperfeiçoamento; uma maior literacia da sociedade no que respeita à identificação do “valor social” da regulação necessitaria de ser promovida e continuada. O aprofundamento da implementação de mecanismos de separação entre poderes regulatórios, de supervisão e fiscalização, ajudaria a contribuir para esse desígnio.
*Abel Mateus
** Adaptado de Levi-Faur 201
***Adaptado de M.B. de Graaff, A Stoopendaal , I. Leistikow
****Adaptado de Black 2002, Selznick 1985, Walshe e Boyd 2007, Windholz 2017
Orlando Monteiro da Silva
Presidente da Associação Nacional dos Profissionais Liberais