Estratégias para prevenir a diabetes tipo 2

Estratégias para prevenir a diabetes tipo 2

Introdução

A prevalência da diabetes tipo 2 tem vindo gradualmente a aumentar em todo o mundo.  Em Portugal, segundo dados do Observatório Nacional da Diabetes (OND) relativos ao ano de 2015, a prevalência da diabetes foi de 13,3 % observada numa população dos 20 aos 79 anos. Desde 2009, ano de início da apresentação do Relatório Diabetes factos e números, verifica-se um aumento gradual da prevalência. O conhecimento deste facto impõe a urgência da institucionalização de uma estratégia a nível nacional dirigida à prevenção desta doença.

Conforme recomenda a American DiabetesAssociation(ADA) é obrigatório desenvolver todos os esforços possíveis para travar a progressão do aumento de prevalência da diabetes (Getaneh e col. 2014).

A ADA refere que existem vários fatores que impõem a diabetes como alvo prioritário para se instituir a prevenção:

  • A diabetes é precedida por um longo período de hiperglicemia “silenciosa” e que pode ser detetada precocemente. A esta fase, pré-clínica chama-se “pré-diabetes”segundo o International Expert Committee e “hiperglicemia intermédia” segundo a WHO.
  • Esta fase pré-clínica pode ser identificada por testes de diagnóstico simples.
  • Existem modelos de intervenção eficazes e aceitáveis com o objetivo de prevenir a diabetes. Portanto a diabetes é prevenível. A prevenção é melhor que a cura (APDP, 2015) e o povo lembra que mais vale prevenir do que remediar.

Prevalência da diabetes e da pré-diabetes no Mundo e em Portugal

O número de pessoas portadoras de pré-diabetes, no Mundo, em 2013 era cerca de 316 milhões o qual poderá aumentar para 471 milhões em 2035.

O OND e o seu Relatório referente ao ano de 2015, revela outro facto preocupante que é a prevalência da hiperglicemia intermédia (pré-diabetes) igual a 27,4%; o significado deste número demonstra o facto de 40,7% da população portuguesa (dos 20 aos 79 anos) ou tem diabetes ou sofre de hiperglicemia intermédia.

No último Atlas da Federação Internacional da Diabetes são revelados números mundiais que reforçam a necessidade de mudanças no estilo de vida, de se desenvolverem esforços conjuntos e de atuar o mais rapidamente possível. Os números são estes: 1 em cada 11 adultos têm diabetes, 12% da despesa global em saúde são gastos com a diabetes, 1 em 7 nascimentos é afetado por diabetes gestacional, em 46,5% dos adultos não foi diagnosticada a diabetes, em cada 6 segundos morre uma pessoa com diabetes (IDF, 2015).

Resultados de vários estudos mostram que o desenvolvimento da diabetes pode ser prevenido ou adiado em indivíduos de alto risco (Finlândia, Suécia, EUA, China, India e Japão). A investigação clínica confirma uma redução de mais de 50% no risco de desenvolver diabetes, quando se praticam mudanças relativamente modestas nos hábitos de vida, nomeadamente no plano alimentar, no nível de atividade física e na manutenção de um peso corporal saudável (APDP, 2015).

Como exemplo de resultados positivos pode apresentar-se o que se demonstrou com o estudo realizado na Finlândia (DPS – Diabetes Prevention Study): atingir os 5 objetivos de mudança dos hábitos de vida evitou o desenvolvimento da diabetes ao longo de pelo menos 7 anos. Os objetivos deste programa eram: não mais de 30% do consumo energético diário proveniente de gorduras, não mais de 10% do consumo energético diário proveniente de gorduras saturadas, pelo menos 15 gramas/1000 Kcal de fibras, pelo menos 30 minutos/dia de atividade física moderada e perda de peso de pelo menos 5% (APDP, 2015).

Estes resultados têm sido obtidos com o mesmo sucesso em vários estudos de prevenção em vários países da Europa (APDP, 2015). Os benefícios sociais e económicos da prevenção da diabetes são bem previsíveis.

É fundamental mudar comportamentos e instituir programas de intervenção com iniciativa e apoio permanente dos Serviços de Saúde (alimentação e atividade física) para se obter sucesso na prevenção ou adiamento da diabetes tipo 2. Outros comportamentos a considerar como abolir o hábito de fumar, reduzir os fatores que possibilitam o stress e a depressão e avaliação e correção dos padrões do sono (APDP, 2015).

A prática deve considerar também a multidisciplinaridade dos intervenientes.

A missão tem tanto de importante como de gigantesca. Cada profissional de saúde deve ter em mente a necessidade imperiosa de prevenir adiabetes.

Sem a colaboração de todos não será possível vencer esta luta.

Como avaliar o risco para diabetes

A pré-diabetes é definida por estados da glicose, propostos pela ADA e pela WHO, como a alteração da glicemia em jejum (IFG – impaired fasting glucose), alteração da tolerância à glicose (IGT – impaired glucose tolerance) ou A1c elevada (5,7-6,4%). Cada critério identifica indivíduos portadores de maior risco para diabetes. A ADA recomenda o rastreio de adultos sem fatores de risco, a iniciar aos 45 anos e aos 18 anos para indivíduos com sobrecarga ponderal e com um fator de risco adicional (história familiar de diabetes, pertencer a um grupo étnico de alto risco, pré-diabetes, história de diabetes gestacional, síndrome de ovário poliquístico, doença cardiovascular, hipertensão, dislipidemia, inatividade física, sinais de insulinorresistência, tais como acantose nigricans e obesidade grave (ADA, 2014).

Se o rastreio for normal deve ser repetido com intervalos de 3 anos.

A Task Force da “Diabetes and Cardiovascular Diseases of the European Society of Cardiology and the European Association for the Study of Diabetes” (ESC-EASD) recomenda o rastreio em duas fases: 1- identificar indivíduos em risco (características demográficas e exames laboratoriais prévios ou um questionário positivo, por exemplo o FINDRISK); 2- fazer teste da glicose a um subgrupo identificado como alto risco durante a primeira fase (ADA, 2014).

Os estudos sobre prevenção têm usado uma combinação de fatores clínicos e epidemiológicos de risco e critérios de pré-diabetes por testes de glicemia, para incluir os doentes. O Finnish Diabetes Prevention Program (DPS) utilizou a alteração da tolerância à glicose e dados do FINDRISK; o U.S Diabetes Prevention Program (DPP) utilizou a alteração da tolerância à glicose, a glicemia em jejum (95-125 mg/dl) e o IMC superior ou igual a 24 Kg/m2, ou superior ou igual a 22 Kg/m2para Americanos Asiáticos (ADA, 2014).

Prevenção da diabetes – ensaios clínicos

Vários ensaios clínicos de prevenção da diabetes, controlados e randomizados, utilizam o aconselhamento sobre a dieta associada a atividade física e a modificação comportamental para modificar o estilo de vida. Alguns exemplos como o DPS, o DPP e o Study on Lifestyle Intervention and Impaired Glucose Tolerance Maastricht recomendam 150 minutos ou mais de exercício físico moderado a intenso por semana. O DPS e o DPP recomendaram atividade física supervisionada. As intervenções dietéticas quando explicitadas incluíam redução de calorias e gordura (20-30% de calorias), 50 a 60% das calorias relativamente aos hidratos de carbono e 10 a 15% das calorias no que respeita a proteínas (ADA, 2014).

Estes programas implicam avaliações periódicas e reciclagem de conhecimentos de modo a evitar recidivas e procurando a sustentabilidade do programa a longo prazo.

O papel dos fármacos na prevenção

Os maiores ensaios, como o Diabetes Prevention Program (DPP, n=3234) e o Indian Diabetes Prevention Program (IDPP1, n=531) incluíram participantes randomizados sendo um braço com metformina. Nos 2 ensaios verificou-se uma redução significativa na incidência da diabetes nos indivíduos tratados com metformina. Durante o período de observação do DPP (10 anos) a redução do risco foi sustentada embora o valor tenha diminuído (18% vs 31%). Os estudos com tiazolidinedionas revelaram maior redução do risco quando comparados com outros estudos com biguanidas e inibidores das alfa-glicosidases. No STOP-NIDDM, com uma randomização de 1368 indivíduos, após 2,2 anos de seguimento, a acarbose foi associada a uma redução de risco significativa quando comparada com placebo (ADA 2014).

Em conclusão (ADA,2014):

– a prevalência da pré-diabetes e da diabetes está em crescendo;
– a avaliação das populações em risco pode ser realizada através de características clinicas e demográficas. O FINDRISK tem sido o preferido;
– as mudanças no estilo de vida, quer na alimentação quer na atividade física, são eficazes em atrasar ou prevenir a diabetes;
– vários fármacos têm sido utilizados na prevenção da diabetes em particular a metformina, as tiazolidinedionas e a acarbose;
– ainda não há evidências de que a prevenção da diabetes esteja associada, a longo prazo, com redução de repercussões micro e macrovasculares .

José Luís Medina * | Celestino Neves** | João Sérgio Neves***

*Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina do Porto
Membro da APDP
Especialista de Endocrinologia e de Medicina Interna
Observatório Nacional da Diabetes- Comissão Científica
Consultor da Direcção Geral da Saúde

** Assistente Hospitalar Graduado de Endocrinologia. Centro Hospitalar de S. João
Docente da Faculdade de Medicina do Porto

*** Interno da especialidade de Endocrinologia. Centro Hospitalar de S.João
Docente da Faculdade de Medicina do Porto

Recomendações Bibliográficas:
– Getaneh A, Aroda VR. Therapy for Diabetes Mellitus and Related Disorders. ADA, 2014
– International Diabetes Federation. Atlas, 2015
– ADA. Standards of Medical Care in Diabetes, 2017
– APDP. Actuar para prevenir a Diabetes. Uma ferramenta para a prevenção da diabetes tipo 2 na Europa.

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