O lado oculto do descanso

O lado oculto do descanso: férias, ansiedade e ansiolíticos. Descubra porque parar nem sempre significa recuperar e descansar verdadeiramente.
O lado oculto do descanso

Quando pensamos em férias, imaginamos sol, tranquilidade, desligar do trabalho e tempo livre para cuidar de nós. Mas e se o descanso aparente esconder algo mais profundo? E se, em vez de recuperar, estivermos apenas a silenciar aquilo que sentimos?

O aumento do consumo de ansiolíticos em períodos de férias levanta uma questão urgente: Estamos a descansar de verdade ou apenas a tentar calar a ansiedade?

O paradoxo das férias

As férias deveriam ser um momento de regeneração. No entanto, para muitas pessoas, acabam por se transformar num espelho de emoções acumuladas:

  • Sem a rotina diária, surgem preocupações que estavam camufladas.
  • A pressão para “aproveitar ao máximo” gera stress adicional.
  • Convívio familiar intenso pode abrir espaço para conflitos.
  • Questões financeiras tornam-se mais evidentes, especialmente em períodos de maior despesa.

Assim, em vez de tranquilidade, alguns encontram ansiedade e o recurso imediato pode ser a medicação.

O aumento dos ansiolíticos: o que significa?

Portugal está entre os países europeus com maior consumo de ansiolíticos e antidepressivos, sendo as benzodiazepinas amplamente utilizadas. Estudos recentes revelam que o consumo aumentou sobretudo entre a população mais idosa, o que pode ter várias leituras e interpretações:

  • Os medicamentos aliviam sintomas, permitindo às pessoas funcionarem melhor.
  • Contudo, escondem o problema de fundo, adiando a procura por apoio psicológico.
  • Criam dependência a médio e longo prazo, comprometendo o bem-estar real.

A Organização Mundial da Saúde estima que os casos de ansiedade e depressão tenham aumentado mais de 25% a nível global após a pandemia, refletindo-se também em Portugal.

Descanso real vs descanso medicado

Nem todo o silêncio é descanso. É preciso distinguir o descanso real, que se destaca por pausas conscientes, sono reparador, atividades que nutrem o corpo e a mente e momentos de lazer sem culpa, do descanso medicado, que se caracteriza por tranquilidade artificial, emoções abafadas por comprimidos, dependência da substância para funcionar e alívio temporário que não resolve os problemas.

Por que sentimos mais ansiedade nas férias?

Algumas razões ajudam a compreender este fenómeno:

  • Expectativas demasiado altas – pois acreditamos que as férias vão resolver tudo.
  • Medo do regresso – só de pensar em voltar ao trabalho, a ansiedade aumenta.
  • Falta de preparação emocional – não sabemos como lidar com o vazio deixado pela ausência da rotina.
  • Condições externas – viagens, trânsito, custos e logística também podem gerar stress.

Curiosamente, um estudo publicado pela British Psychological Society indica que os benefícios das férias podem prolongar-se até 21 a 43 dias depois do regresso, mas apenas quando o descanso é genuíno e envolve desligar de facto do trabalho e das obrigações (BPS Research Digest, 2022).

Leia também: Por que nem todos conseguem relaxar nas férias?

Estratégias para um descanso real

O caminho não passa por eliminar a ansiedade a todo o custo, mas sim por reaprender a descansar. Eis algumas práticas úteis, que podem promover o descanso:

  • Planear férias realistas, evitando sobrecarregar a agenda e “controlar” cada minuto.
  • Desligar de verdade, ao limitar emails e redes sociais, diminuir o contacto com preocupações profissionais e testar períodos sem ecrãs.
  • Praticar autocuidado, através de caminhadas ao ar livre, meditação ou respiração consciente e atividades criativas, como ler, desenhar, cozinhar e fotografar.
  • Aceitar emoções – A ansiedade é um sinal, não uma falha, e reconhecer sentimentos ajuda a dar-lhes resposta.
  • Procurar apoio psicológico e recorrer a terapia pode fornecer ferramentas duradouras que ultrapassam o alívio imediato.

O desafio cultural: mais do que um problema individual

O aumento do consumo de ansiolíticos não é apenas um reflexo individual. É também social.

  • Vivemos numa cultura que valoriza a produtividade acima do descanso.
  • O descanso é visto como luxo, não como direito.
  • Há pouca literacia em saúde mental, e muitas pessoas não sabem identificar sinais de alerta.
  • Falta investimento em políticas públicas de prevenção e apoio psicológico.

Enquanto não houver mudança estrutural, o risco é continuar a tratar sintomas em vez de causas. “O lado oculto do descanso” revela que férias não são, por si só, sinónimo de regeneração.
O aumento do consumo de ansiolíticos mostra que muitas vezes o descanso é mais uma tentativa de escapar do que de recuperar.

Ainda assim é possível mudar com estratégias de autocuidado, uma visão mais realista das férias, apoio psicológico e com uma cultura que valorize o bem-estar.

Descansar não é apenas parar. É cuidar de si sem atalhos, sem silêncios forçados.

Referências principais:

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